Retirado de Mercado Ético
Muitos ficaram surpresos na semana passada com o discurso feito de improviso pela presidente Dilma Rousseff na reunião do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Falando sobre a Rio+20, ela disse que a conferência não será lugar para “fantasias” e questionou a viabilidade das fontes alternativas.
“Uma conferência como essa não tem espaço para a fantasia. Não estou falando da utopia, que pode ter, mas estou falando da fantasia. Não posso falar que é possível só com a energia eólica iluminar o planeta, porque não é. Só com solar? De maneira nenhuma”, afirmou a presidente, que acrescentou que é impossível “estocar vento”.
Duas coisas chamam muito a atenção na fala da presidente. Uma é a noção de que para se investir em fontes alternativas seria preciso abandonar o modelo atual de geração. O que não é verdade, o papel de fontes como a solar e a eólica é ser complementar às tradicionais, não substituí-las completamente. Outra é a ideia de que as fontes alternativas ainda são opções de um futuro distante.
“Existe muito forte no governo, e até na academia, um apego pelas energias tradicionais, seja por ideologia ou por interesses econômicos. Isso de certa forma impede uma renovação de conceitos e fatos”, explicou Mauro Passos, presidente do Instituto para o Desenvolvimento de Energias Alternativas da América Latina (IDEAL).
E o que são os fatos sobre a energia alternativa no Brasil?
Um deles é que o país vive no momento um boom de investimentos eólicos. A capacidade instalada passou de 22 MW em 2003 para 1.509 MW em 2011, com a previsão de alcançar 8.088 MW em 2016.
Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a eólica já é a segunda fonte de energia mais competitiva no país, perdendo somente para a hidrelétrica. Além disso, o Brasil pode passar a ocupar em 2013 a décima posição entre os maiores produtores de energia eólica do mundo.
De acordo com os números apresentados em fevereiro pelo Conselho Global de Energia Eólica (GWEC), a América Latina instalou mais de 1,2GW em 2011, sendo que o Brasil foi responsável por 587MW. “O Brasil ultrapassou a marca dos 1GW em 2011 e tem encaminhados mais 7000MW para serem instalados antes do fim de 2016. O setor eólico brasileiro está atraindo investimentos significantes, facilitados por políticas do BNDES. Porém, uma nova estrutura legal com regras claras para o futuro será necessária para garantir o ritmo de crescimento”, afirmou na ocasião Pedro Perrelli, diretor executivo da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica).
“Não é difícil mostrar que as fontes alternativas são reais. A própria EPE tem apoiado as eólicas através de leilões bem sucedidos que já deixam claro que a fonte é competitiva”, completou Passos.
Apesar de não estar passando por um boom, a energia solar também tem o que comemorar. Está sendo inaugurada nesta terça-feira (10) a usina fotovoltaica integrada ao Estádio de Pituaçu, em Salvador.
O projeto, que custou R$ 5,5 milhões, sendo R$ 3,8 milhões investidos pela Coelba e R$ 1,7 milhão pelo Governo do Estado da Bahia, promete deixar o estádio autossuficiente em energia gerando 400kWp.
Embora o estádio de Pituaçu não esteja entre os selecionados para sediar os jogos da Copa do Mundo de 2014, ele servirá como modelo para testar a inovação.
Alguns estádios da Copa já anunciaram que também irão incorporar a tecnologia fotovoltaica em seus projetos, como parte da iniciativa Estádios Solares do Instituto IDEAL. Exemplos são o Mineirão, em Belo Horizonte, desenvolvido pela Cemig em parceria com o governo de Minas Gerais, e o Maracanã, no Rio de Janeiro, projeto do Governo do Estado junto com a Light e EDF. Mas a lista ainda deve ser maior, acredita Mauro Passos.
“Neste ano, em que o Brasil sedia a Conferência Rio +20 com a grande tônica da sustentabilidade, esta tecnologia limpa e renovável de geração abre novas possibilidades para as edificações, especialmente nos estádios de futebol, a grande paixão dos brasileiros”, comemora.
Segundo Passos, esse tipo de projeto aumenta a visibilidade das fontes alternativas. “As empresas e o interesse da sociedade serão fundamentais para o desenvolvimento das renováveis. Com a popularização e a consequente queda dos preços, qual indústria não vai querer gerar sua própria energia?”, questionou.
Com exemplos como esse dos Estádios Solares e com os números cada vez mais positivos sobre as eólicas – além do bom panorama para a exploração de biomassa, com a utilização do bagaço da cana, ou com biodigestores nas áreas rurais -, parece que a fantasia está do lado de quem fecha os olhos para o que já está acontecendo no Brasil.
“A tendência é que o cenário para as fontes alternativas melhore. Com o tempo, pessoas mais jovens, com mentalidade aberta e menos ligadas a interesses econômicos, assumirão posições de autoridade e devem ajudar na transição para uma geração mais diversificada e limpa”, concluiu Passos.