Quem vai liderar a nova economia

Retirado de Mercado Ético

O Século 20 finalmente chegou ao fim. Acabou a era das energias baratas e não é mais possível continuar a empurrar as externalidades da economia para baixo do tapete da natureza. Também não é mais possível ignorar que apenas um terço da humanidade tem um padrão de vida capaz de suprir todas as necessidades em alimentos, habitação, saúde, educação e trabalho. Para muitos especialistas o planeta está vivendo uma convergência de crises, de onde deve emergir uma nova forma de produzir, consumir e viver, e não há um plano B que permita deixar tudo como está e seguir vivendo em paz. “O combate à desigualdade e a adequação da economia às necessidades climáticas e ambientais deve ser o centro das discussões econômicas, e não pode mais ser apenas uma reflexão teórica”, aponta o Ricardo Abramovay, professor da Faculdade de Economia da USP.

A crise financeira que tomou os Estados Unidos de assalto em 2008 e se alastrou pelas economias da Europa fez acender uma árvore de Natal de luzes de alerta ao redor do mundo. Entre aportes diretos em instituições financeiras e empresas, incentivos fiscais e reduções de impostos, a crise arrancou dos cofres públicos de quase todos os países um volume de dinheiro hoje estimado entre US$ 5 trilhões e US$ 10 trilhões. Por coincidência, o mesmo dinheiro que está fazendo falta para os países honrarem seus compromisso financeiros e de custeio. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Tesouro salvou bancos e montadoras, mas enfrenta uma crise ao não ter recursos para rolar sua dívida e acabou tendo seus papéis rebaixados por agências de avaliação de risco. E na Europa as economias caem como uma sequência de dominós. Segundo Ricardo Young, empresário e ex-candidato ao senado por São Paulo na chapa de Marina Silva, parece que as pessoas em geral, e a mídia em particular, não conseguem ligar os pontos e fazer uma relação de causa e efeito entre as crises. “Ainda não conseguimos uma nova teoria geral que substitua a ideia de que o crescimento do PIB é a solução dos problemas sociais, e que a democracia participativa é quem melhor acolhe os princípios do livre mercado”, diz, e compara o desempenho econômico da ditadura chinesa com a crise vivida pelas democracias norte-americana e europeias.

Para o economista Ignacy Sachs, que desde os anos 1950 acompanha os movimentos políticos e econômicos do mundo sob a ótica do desenvolvimento sustentável, e participou de todas as grandes conferências da ONU sobre o tema, boa parte dos problemas atuais e dessa convergência de crises tem raiz na falta de planejamento, seja de governos, universidades ou empresas. “A crença quase religiosa de que o mercado pode resolver todas as suas contradições levou o mundo ao impasse que estamos vivendo, com as crises climática e ambiental, a desigualdade social e a falência financeira cobrando suas contas ao mesmo tempo”, diz.


O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) lançou, em 2008, o estudo Economia Verde (GEI, na sigla em inglês). Esse relatório foi a primeira tentativa de indicar soluções para o impasse que se formou na economia tradicional. No início de 2011, o organismo da ONU publicou outro estudo, intitulado “Rumo à economia verde: caminhos para o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza”, assinado por seu diretor executivo, Achim Steiner, e pelo economista sênior do Deutsche Bank, o indiano Pavan Sukhdev. O novo texto mostra como diversos setores – energias renováveis, tecnologias limpas e eficientes, serviços de água e pesca sustentável – podem gerar empregos, aquecer a economia e produzir um crescimento limpo. Uma tese já defendida por Ignacy Sachs, que defende o uso de biomassas para alavancar um modelo econômico com novas empresas e novas tecnologias, com mais distribuição de renda pelo trabalho e com uma grande capacidade de regeneração de biomas e ecossistemas. “Podemos produzir alimentos e matérias-primas na terra, nos rios e mares, e garantir qualidade de vida para todos os habitantes do planeta”, assegura.

Mesmo com um novo olhar sobre os dilemas ambientais e as oportunidades que se abrem na economia, o relatório deixa algumas perguntas em aberto. Uma delas é sobre o financiamento dessa transição. O Pnuma aponta a necessidade de um investimento anual de 2% do PIB global, cerca de US$ 1,3 trilhão, valor próximo a 10% do que já se gastou com a crise financeira e menos do que se investe para manter as guerras atuais pelo mundo. O problema, segundo Jonh Elkington, reconhecido como criador do conceito do triple bottom line, que preconiza o equilíbrio social, ambiental e econômico das ações humanas, é que a maioria dos países esgotou sua capacidade de investir por meio dos pacotes de estímulos à economia, e pouco foi pedido em termos de contrapartidas para limpar a economia. “Ainda prevalece o mito de que implantar infraestrutura e projetos verdes tende a ser mais caro, e isso desestimula a transição”, aponta. No entanto, como explica o empresário e arquiteto Marcelo Takaoka, responsável por inúmeros “edifícios verdes”, a conta deve incluir a operação e a manutenção dos projetos, e não apenas a implantação. “Muitas vezes os custos adicionais em materiais e tecnologias na construção são amplamente compensados com o baixo consumo de energia, água e outros materiais durante a vida útil do empreendimento”, explica.

Há, também, no desafio proposto para a Rio+20, a questão da governança global para a economia verde. “Não existe no mundo uma instituição capaz de coordenar as questões ambientais,”, diz Rubens Born, da ONG Vita Civilis, que está articulando as ações da sociedade civil brasileira em relação à conferência do ano que vem. “O próprio Pnuma é apenas um programa, com ações limitadas. Falar em fundos para economia verde nesse contexto é quase impossível. Governança é tão importante quanto a própria economia ”, explica Born. Outra questão é descobrir o quanto as empresas estão preparadas para mudar. Muitas ainda não se livraram do fantasma da maquiagem verde, ou greenwash. Um desafio lançado pela rede varejista Walmart Brasil a 13 grandes empresas mostrou que, quando há vontade, é possível produzir com redução no uso de matérias-primas e eficiência energética. O estudo foi publicado no relatório “Sustentabilidade de Ponta a Ponta”, que analisou os ciclos de vida dos produtos desde a extração dos recursos naturais até a fase de pós-consumo. Os resultados globais do projeto indicaram uma economia de 3.171 toneladas em emissão de CO², uma redução de 233.430 litros no consumo de óleo diesel, uma economia de energia equivalente a oito milhões de lâmpadas e menos 2,403 milhões de litros de água. Deste projeto participaram empresas do porte da Ambev, Danone, Philips, Whirpool, Sara Lee, L’Oreal, entre outras. E esta foi a segunda edição. Na primeira, em 2009, outras dez empresas aceitaram o mesmo desafio, e os processos foram auditados por especialistas do Centro de Tecnologia de Embalagens (Cetea), órgão ligado ao governo do Estado de São Paulo.

Liderança para a sustentabilidade

O consultor Ricardo Voltolini, autor do livro Conversa com Líderes Sustentáveis, no qual entrevista dez dos principais executivos brasileiros com reputação nessa área, conta que a maioria das empresas que atua no Brasil está em um estágio de transição do que seriam quatro passos para produzir com menos impacto ambiental. “Ainda há os que acreditam que apenas pagar os impostos é cumprir o seu papel. Outros acham que sustentabilidade é assinar um cheque e entregar para um projeto social. E há aqueles que têm práticas sociais e ambientais muito pontuais. São a maioria das grandes empresas no Brasil”, explica. O quarto estágio é incluir sustentabilidade na gestão, o que depende de uma liderança em primeiro escalão. “Nas empresas onde os conceitso de produção com menos impactos avançou, existe essa liderança: pessoas comprometidas não só profissionalmente, mas socialmente, e que acreditam na interdependência de suas ações”, diz Voltolini.

Para John Elkington, da Sustainability, as mudanças nas empresas também estão ligadas ao caráter e à imaginação de seus líderes. Valorizar os investimentos em inovações que apoiem essa mudança é uma questão fundamental. “É difícil encontrar empresas que aceitem ser incubadoras, por isso as inovações tendem a aparecer nas bordas do sistema e envolvem pessoas de quem nunca ouvimos falar”, diz Elkington. “Ninguém conhecia Larry Page e Sergey Brin antes de o Google levantar voo.” Para ele a grande pergunta é saber quem vai ser o novo Bill Gates da economia verde.

Mesmo com a evolução no mundo empresarial, o aumento do consumo pode ser um obstáculo para a redução de impactos sobre os ecossistemas. Produtos mais eficientes e mais baratos podem impactar menos por unidade, mas um aumento exponencial nas vendas pode representar um crescimento proporcional nos impactos sobre o meio ambiente. O economista Eduardo Giannetti da Fonseca costuma citar o exemplo dos aparelhos de ar condicionado nos Estados Unidos. “Dos anos 1950 para cá, se tornaram mais eficientes, individualmente gastam menos energia e custam mais barato, por isso hoje apenas o consumo de energia desses aparelhos é igual a toda a eletricidade que o país gastava em 1950”. Quanto mais eficientes ficam, maior é o consumo.

“A ilusão do crescimento verde é um problema real a ser enfrentado”, diz Ricardo Abramovay, professor da Faculdade de Economia da USP. “Além de mudar a forma de produzir, é importante reduzir a desigualdade no consumo. Mesmo os europeus, que têm padrões de consumo mais equilibrados do que os norte-americanos, não podem continuar a manter as taxas atuais”, diz. “Acreditar que apenas inovações tecnológicas vão resolver todos os problemas é uma ilusão fantástica: o que devemos reduzir são as desigualdades e o consumo nos países ricos.”

O Brasil, em relação à construção das bases para uma economia verde, tem muitas vantagens e alguns importantes dilemas. Entre os pontos fortes está uma base de produção de energia ainda relativamente limpa, com mais da metade da eletricidade sendo produzida a partir de hidrelétricas. Também há o álcool combustível, que coloca o país na liderança em produção de biocombustíveis e uma frota de veículos que permite aos consumidores decidirem o que usar nos postos de abastecimento. Há muita terra para produzir alimentos e biomassas de toda ordem, mas é preciso trabalhar melhor o uso e a destinação desses recursos, que estão sendo explorados sem critérios e sem um consenso entre sociedade e políticos. Um exemplo desse descasamento de expectativas é a recente aprovação na Câmara dos Deputados do novo Código Florestal, muito mais flexível que o anterior, vigente desde 1965. Os deputados aprovaram o projeto, que agora está no Senado, por 80% dos votos. Uma pesquisa realizada pelo Data Folha na época da votação mostrou que 80% dos brasileiros eram contra a aprovação da nova lei.

Entre os dilemas estão algumas das principais commodities de exportação do Brasil, como a carne bovina. O país é o maior exportador mundial e, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro do Geografia e Estatística), o avanço das pastagens sobre a floresta Amazônica é responsável por 70% do desmatamento na região. Isto empurra a pecuária também para a incômoda posição de responsável por grande parte das emissões de gases que aquecem o planeta, uma vez que o Brasil é o quinto no ranking dos maiores poluidores mundiais justamente por causa do desmatamento. Sem incorporar as emissões por desmatamento, o país cai para o 14º lugar entre os que mais contribuem para as mudanças climáticas.

Nos próximos anos, o Brasil terá de lidar, também, com o aumento de sua produção de petróleo. Estimativas da Petrobras podem colocar o país em 6º lugar entre os grandes produtores mundiais e já se discute a aplicação dessa inesperada riqueza. O primeiro desafio será investir US$ 120 bilhões, segundo dados da Petrobras, para trazer esse óleo do subsolo marinho para as refinarias, sejam nacionais ou para a exportação. Com esse dinheiro todo, segundo o cientista Antonio Nobre, que atua no Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e é um dos especialistas brasileiros em temas climáticos, daria para tornar competitivas outras formas de energia, como eólica ou solar. “É uma questão de decisão política e força do lobby petroleiro”, disse em uma apresentação para Carta Capital sobre energia.

No entanto, uma oportunidade privilegiada está se aproximando. Em junho de 2012, quase 200 chefes de Estado e de governo estarão no Rio de Janeiro para debater a Economia Verde e a Governança Global. Organizações da sociedade civil, empresas e governos estão se mobilizando para garantir que essa conferência vá além dos discursos. “Precisamos aproveitar a oportunidade para pautar esse debate de forma clara. E estabelecer os limites do desenvolvimento da forma como estamos promovendo”, diz Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental. “O que não podemos deixar acontecer é ser apenas um encontro com muito marketing e nenhum tipo de conclusão, pois não há mais tempo para isso”, explica.

O que é a economia verde?

No início deste ano, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) apresentou a mais de uma centena de chefes de Estado o relatório “Rumo a uma Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza”, com uma avaliação do estado socioambiental do mundo e os impactos que o atual modelo econômico tem sobre sobre o capital natural. Assinado por Pavan Sukhdev, economista chefe do Deutsche Bank, e pelo diretor-geral do Pnuma, Achim Steiner, o texto convoca governos, empresas e sociedade a atuar para mudar os rumos da economia em direção a um modelo que garanta maior justiça social a 2,5 bilhões de pessoas que vivem com menos de US$ 2 ao dia, a redução das emissões de gases-estufa para um nível de menor impacto climático e consiga, também, garantir alimentos e habitação para os quase três bilhões de novos habitantes que o planeta terá até 2050.

Um dos principais pontos é acabar com os subsídios globais aos combustíveis fósseis, que hoje atingem US$ 600 bilhões ao ano, e redirecionar mais de US$ 20 bilhões em subsídios inadequados, que reforçam o modelo ambientalmente predatório, como as atividades de pesca e pecuária. “A economia verde não pretende sufocar o crescimento e a prosperidade, mas sim restabelecer a ligação com a verdadeira riqueza, reinvestir ao invés de simplesmente explorar o capital natural e beneficiar muitos em lugar de poucos, e também deve reconhecer a responsabilidade intergeracional das nações para manter um planeta saudável, funcional e produtivo aos jovens de hoje e aos que estão para nascer”, diz Pavan Sukhdev.

Dez setores para uma economia verde

Os setores fundamentais para tornar a economia mais verde são agricultura, construção, abastecimento de energia, pesca, silvicultura, indústria, turismo, transportes, manejo de resíduos e água.

Dos 2% do PIB (US$ 1,3 trilhão), os montantes investidos para o esverdeamento por setor seriam:

– US$ 108 bilhões para a agricultura, incluindo as pequenas propriedades e produção familiar;

– US$ 134 bilhões para o setor imobiliário, que deverá buscar mais eficiência energética, redução de resíduos e redução no uso da água;

– Mais de US$ 360 bilhões para o abastecimento de energia, com implantação de geração mais limpa, mais eficiência no uso e menos perdas no sistema de distribuição;

– Quase US$ 110 bilhões para a pesca, incluindo a redução de capacidade das frotas mundiais e o aumento da produção de peixes em aquaculturas;

– US$ 15 bilhões para a economia florestal, o que ajudaria também no combate às alterações climáticas;

– Mais de US$ 75 bilhões para a indústria, incluindo a de produtos manufaturados, para a otimização no uso de matérias-primas, água e energia;

– Quase US$ 135 bilhões para o setor de turismo, para geração de renda e emprego;

– Mais de US$ 190 bilhões para os transportes, para a redução das emissões de carbono e redução do impacto dentro das cidades;

– Quase US$ 110 bilhões para a gestão de resíduos, incluindo a reciclagem;

– Mais de US$ 100 bilhões para o setor da água, incluindo questões de saneamento.

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